A poesia de Manoel de Barros pode ensinar sobre empreendedorismo do que nós imaginamos


Quando começava a escrever esta coluna, fiquei sabendo da morte do poeta Manoel de Barros. Mudei tudo. Depois os executivos das empreiteiras foram presos no escândalo da Petrobras. Pensei em mudar de novo (anda difícil escolher o que escrever nestes tempos de superoferta de assuntos). Mas vou ater-me ao poeta.

Ele era um senhorzinho beirando os 100 anos de idade, lá do Mato Grosso, que em seus poemas dizia prezar mais os insetos do que os aviões e que preferia a velocidade das tartarugas à dos mísseis – posições que não parecem lá muito coisa de empreendedor. 

Acredito, no entanto, que seus poemas têm tanto a ensinar para empreendedores brasileiros quanto os livros de Steve Blank, Silvio Meira, Eric Ries, Flávio Augusto da Silva, Guy Kawasaki, Bel Pesce, Ben Horowitz, gente graúda que tenho em alta conta.

No mínimo, os versos do poeta do Pantanal (ele não gostava de ser chamado assim, eu sei) funcionam em linha com o que pregava o educador Rubem Alves sobre o aprendizado. Um bom provocador consegue desestruturar uma pessoa e fazê-la aprender mais e melhor. Nesse caso, falamos do aprendizado do empreendedorismo (ou “aprendimento”, na palavra manoelina).

Vou listar, então, o que encaro como seis aprendizados-chave provocados pela poesia de Manoel de Barros, tentando explicar o mínimo possível, para que o leitor o sinta. Manoel de Barros dizia que as palavras andam fatigadas de informar e enaltecia o silêncio. 

1. “Meu quintal é maior do que o mundo”. Estamos na onda dos empreendedores americanizados, à la Silicon Valley, mas todo empreendedor deve mesmo é empreender olhando para o Brasil.

2. "Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras”. Desnecessário dizer que liberdade é a palavra-chave do empreendedorismo  e que toda vez que isso é traído, há problema. Manoel de Barros ainda reforça: “Liberdade caça jeito”. O empreendedor não deveria deixar-se encaixar em um trilho de trem.

3. “O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito” Isso também se aplica ao empreendedor, não? Pense: quando este faz algo perfeito, é porque todo mundo já fez antes e é possível aperfeiçoá-lo, Fazer acertos não é ser empreendedor, mas ser empresário, para usar uma distinção feita pelo Silvio Meira. 

4. “ Sou um apanhador de desperdícios. Amo os restos como as boas moscas” Acho mais preciso falar em desperdícios e restos, e em moscas, do que falar em visão periférica. As oportunidades geradas por desperdícios e restos numa sociedade que se quer moldar pela eficiência é gigantesca. Manoel também escreveu: “…poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”

5. “A maior riqueza do homem é sua incompletude…. Eu preciso ser Outros” Nenhum empreendedor jamais tem sucesso se não colocar no lugar de seus consumidores, os outros, empaticamente. Mas aceitar e amar a própria incompletude é difícil à beça. E raro.

6. “Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso. O menino era ligado em despropósitos.“ Ai do empreendedor que não for ligado em despropósitos, não é verdade? Salve o empreendedor que tenta carregar água na peneira.

Além desses seis aprendimentos, eu acrescentaria que todo empreendedor deveria ter um olhar de poeta. Que olhar é esse? É o de encontrar sentidos novos nas coisas cotidianas, comuns, que não chamam a atenção de ninguém. E é encantar-se com elas a ponto de fazer algo a respeito (seja escrever um poema, seja construir um negócio).

Enfim, o que acho que quero dizer é que dá para fazer poesia também empreendendo. Pense em seu negócio com esse tipo de beleza, que eleve as pessoas a outro patamar, sejam os consumidores, sejam seus funcionários.

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Adriana Salles Gomes

Editora-chefe da revista HSM Management, especializada em gestão de negócios, trabalhou na Gazeta Mercantil e Exame, fez um guia de sabáticos – ”Fuja por um Ano“ e escreve para a revista eletrônica Terra Magazine sobre a cultura business.